quinta-feira, 25 de junho de 2015

O DESAFIO DA EXCELÊNCIA NUMA MINI- E MEGA-BIBLIOTECA


por Adriano Silva


- Por que é que tu conheces e dás-te tão bem com tantas raparigas, se apenas trabalhas numa Biblioteca? Perguntou-me um amigo, admirado, num autocarro.
- Se for uma aluna do 1º ano que me pede um livro, eu dou-o e não começa aí relação nenhuma, respondi eu, mas a situação é diferente a partir do 3º ano, quando elas começam a fazer trabalhos sobre assuntos diferentes… aí a questão complica-se…
- Como? Perguntou inocentemente o meu colega.
- Para responder a perguntas frequentes faço listagens temáticas, com sumários feitos por mim, para as ajudar a escolher os artigos a ler; porque ninguém tem tempo para ler tudo sobre um assunto… Especialmente se tiver vários trabalhos a fazer…
- Claro, concordou o meu colega.
- No ano de estágio as alunas pedem-me as novidades que todas as semanas chegam à biblioteca. A listagem não chega. Faço todos os anos uma lista que coloco na parede de assunto – nome da aluna, para não me esquecer de avisar ninguém (a Difusão Seletiva de Informação é hoje em dia feita por email, mas funcionava muito bem por boca-a-boca).

Comecei a trabalhar aos 18 anos como simples técnico de Biblioteca, e no meu ano de estágio cataloguei todos os livros do Instituto (de Serviço Social). Depois, para me entreter, comecei a catalogar todos os artigos de revistas e fiz assuntos apenas dos artigos mais importantes.
Trabalhei ali 10 anos, e todos os anos havia professores novos ou disciplinas novas. Logo, todos os anos há assuntos “novos”. Isto implica ser impossível existir uma “lista universal de assuntos”. Também implica que, para imprimir uma listagem de um assunto novo, tinha de ter previamente catalogado e resumido todos os artigos sobre aquele assunto.
Uma pequena biblioteca pode ser uma grande biblioteca se tiver um bom catálogo, com assuntos e sumários. A Excelência torna uma pequena biblioteca uma grande biblioteca.
Há 16 anos que trabalho na Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP), fundada em 1833 por D. Pedro, muito amado no Brasil. Porque tem Depósito Legal desde a sua fundação, temos cerca de 28 km de estantes, sendo talvez a 2ª maior biblioteca de Portugal.
Uma mega-biblioteca terá mega-problemas, os quais podem ser aumentados ou reduzidos pelo uso das novas tecnologias.
Antigamente, os bibliotecários respondiam aos leitores usando um catálogo manual por assuntos, ou melhor, por CDU (uma versão da CDD usada no Brasil) e elaborando catálogos temáticos (um grande bibliotecário era aquele que editava um catálogo sobre um assunto). Sobre periódicos (jornais e revistas), existiam catálogos manuais pelo local de edição (a pergunta mais frequente dos leitores é: - Quais são os jornais da minha terra?) e por CDU/assuntos.
Atualmente, o catálogo está disponível online. Os registros bibliográficos são importados da Biblioteca Nacional. Graças a isso, poupam-se recursos, mas… e os assuntos?


 
Imagem extraída da galeria de fotos disponível no site da Biblioteca Pública Municipal do Porto: <http://bmp.cm-porto.pt/bpmp>. Acesso em: 25 jun. 2015.
 
No Serviço de Periódicos sempre se corrigiu a catalogação e a CDU, tendo-se adicionado o assunto a partir do momento em que o catálogo está online.
Hoje temos mais de 30 mil títulos de periódicos divididos por distritos e antigas colónias. Do Porto (é uma biblioteca municipal) temos mais de 1000 jornais já indexados (e muitos mais há para catalogar no futuro…).
O que é um bibliotecário? Um produtor de catálogos. Mas já não estamos no tempo dos catálogos em papel. O leitor, se o quiser, que o imprima. Trabalho, ao mesmo tempo, todos os dias, em mais de 130 catálogos ou assuntos diferentes. Resultados?

- “Descoberta” de textos de Camilo Castelo Branco, Raúl Brandão e outros escritores, em jornais não referidos pelos especialistas;
- “descoberta” de várias revistas literárias não mencionadas pela obra de referência e publicação de artigo em revista literária;
- convite para falar em Universidade sobre periódicos do 25 de Abril;
- agradecimentos de um especialista em banda desenhada, por ter “descoberto” uma BD;
- agradecimentos de genealogistas, por ter “descoberto” colaborações de familiares deles em jornais;
- agradecimentos de autores, os quais detestam ver a confusão entre as suas obras e a de outros autores com o mesmo nome, sejam eles pais, avós, tios ou desconhecidos.

Sem uma catalogação cuidada, com atenção aos assuntos, nada disto seria possível!
O mega-problema das mega-bibliotecas é o tamanho: a multiplicação das “equipas” e dos feudos pessoais. A divisão entre “front office”, que atende o público e sabe dos problemas, e o “back office”, que não quer saber dos problemas dos “outros” e muito menos resolvê-los.
Como é possível ter assuntos em condições se só contacto com os leitores uma vez por mês? Como ser excelente se não há reclamações ou sugestões dos leitores?
Como ter Qualidade se superiormente os objetivos são apenas de Quantidade? Como ser Excelente se o objetivo é um ficheiro a que os leitores não têm acesso, ou seja, se o objetivo é trabalhar para o boneco?
A Qualidade é o maior desafio das mega-bibliotecas! Por incrível que pareça, é mais fácil uma pequena biblioteca ser excelente do que uma mega-biblioteca.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

BIBLIOTECONOMIA SOCIAL: MISSÃO BIBLIOTECÁRIA


por Catia Lindemann

Pardini (2002) apregoa que devemos e podemos ser mais do que meros classificadores, catalogadores e disseminadores da informação. O bibliotecário também é um agente educacional, sua missão vai além dos limites técnicos e pode sim fazer a diferença nas mais variadas camadas sociais.

Vivemos o pleno auge do “bum ‘www’”, em que as bibliotecas físicas cada vez dão mais espaço às plataformas digitais, a informação nos chega nos mais variados suportes, e o bibliotecário insere-se justamente dentro desta sua capacidade de atuação multidisciplinar. Este é o lado bom e bonito da contemporaneidade. A tecnologia disponibilizando obras em que o leitor sequer precisa sair de casa. Mas como tudo na vida, e o lado obscuro deste contexto? Sim, pois ele existe e, por incrível que pareça, ainda existem locais em que o livro sequer chegou. Submundos abrigando pessoas que nunca leram um só livro e nem os têm à sua disposição.

É dentro deste cenário desolador que entra o trabalho da bibliotecária Neli Miotto, coordenadora responsável pelo Banco de Livros da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS). Seu trabalho consiste em campanhas que incentivam a doação de livros, e, posterior a isso, ela monta bibliotecas e espaços de leituras, transformando as obras em verdadeiras ferramentas que atuam desde a formação de novos leitores à terapia ocupacional, como é o caso das cadeias. O apenado utiliza seu tempo ocioso com leituras nas unidades de informação implantadas pelo Banco de Livros sob a coordenação de Neli. Trata-se de um trabalho tão grandioso e rico de valores sociais e também emocionais que os próprios presos sentem a necessidade de retribuir esta ação, e o fazem confeccionando mobiliários para bibliotecas infantis, totalmente feitos com caixotes velhos, reaproveitados e devidamente tratados, para servir de estantes para outras comunidades. Temos aí também os valores reflexivos de Educação Ambiental aliado aos valores humanos, em que os indivíduos recebem o seu espaço literário e retribuem de modo que outros possam ter o mesmo. E quem é o profissional responsável por este grande ciclo? Um bibliotecário!

Mas o trabalho de Neli não se restringe apenas às cadeias, ele ultrapassa os limites de ambientes lógicos e imagináveis. Pensem num posto de saúde, em que os pacientes esperam por um longo período de tempo para o atendimento, sentados, entediados, na maioria das vezes até contrariados. Pois em muitos destes locais a realidade é diferente. Neli montou salas de leitura onde crianças possuem espaços para brincar ou desenhar e onde adultos podem pegar um livro para ler enquanto aguardam o atendimento.  




E a terapia por meio dos livros, a Biblioterapia? Sim, Neli também sabe o quanto a leitura pode ajudar nos casos em que o fator principal é o psicológico e, assim, equipou com livros os ambientes que prestam serviço de atendimento no tratamento de dependentes químicos.

Voltando à consciência ecológica, lembrando que os novos tempos urgem por entendimento sustentável, por que não trocar lixo por livro? Pois o Banco de Livros acreditou que isso não somente é possível como também viável, e Neli nos brinda com este projeto maravilhoso que atualmente percorre todo o Estado do Rio Grande do Sul. Em sua percepção, esta ideia desperta a consciência de que é preciso reciclar, ensinar os jovens e adolescentes a fazerem a separação do lixo limpo. Para cada quatro quilos de lixo reutilizável, dois livros. Um fica com o aluno e outro vai para sua instituição de ensino. Temos aí, então, mais de uma ação, pois ganha a sociedade, ganha o estudante e ganha a biblioteca escolar!

São inúmeros os espaços literários implantados por Neli à frente da coordenação do Banco de Livros: asilos, instituições para menores infratores, abrigo de menores, ONGs, associações, aldeias indígenas, um leque que nos levaria a ficar aqui extensamente listando. Mas o que de fato é pertinente, relevante para a nossa área, é saber que a nomenclatura deste trabalho maravilhoso se chama “Biblioteconomia Social”. Uma prática bibliotecária de cunho humanístico e resultado social, que percorre os mais diversos tipos de comunidades, fazendo do livro uma “ponte” de inclusão social.

Neli Miotto nos prova que a Biblioteconomia Social não é um jeito novo de fazer Biblioteconomia, e sim uma maneira de se aplicar a técnica bibliotecária em função do social. Uma Biblioteconomia consciente do seu papel político, social e ativo, que disponibiliza a todos o maior tesouro social da humanidade: a informação.

Confira mais informações do trabalho de Neli em: <http://www.youtube.com/watch?v=iyU9QlE_Njw>.  

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Fonte consultada:

PARDINI, Maria Aparecida. Biblioterapia! Encontro perfeito entre o bibliotecário, o livro e o leitor no processo de cura através da leitura. Estamos preparados para essa realidade? SEMINARIO NACIONAL DE BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS, 12., 2002, Recife. Anais... Recife: UFPE, 2002. 13 p.