segunda-feira, 27 de julho de 2015

“ONDE O GALO CANTA, ALMOÇA E JANTA”: ENTENDENDO A PRESENÇA DAS BIBLIOTECAS NAS REDES SOCIAIS

A presença de bibliotecas nas redes sociais torna-se uma realidade cada vez mais presente nos dias atuais, e foi sob essa perspectiva que apresentamos o nosso trabalho na 26ª edição do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (CBBD 2015), realizado em São Paulo-SP.

A Internet possibilitou novas conexões e ampliou o universo das bibliotecas no que se refere à comunicação com a comunidade a que atende. A comunicação, a partir das redes sociais, tornou-se menos rígida e formal; facilitou, ainda, a interação, a transparência e o compartilhamento de informações, criando, dessa forma, uma comunicação mais ativa e participativa; e proporcionou novas formas de interação por meio da Web 2.0. Ao ingressarem nas redes sociais, as bibliotecas criam demandas diárias de interação com os seus usuários, exigindo do bibliotecário uma dedicação e uma disponibilidade de tempo que nem sempre ele dispõe.

Nesse sentido, observam-se, na prática, alguns entraves enfrentados pelas bibliotecas, que dificultam ou condicionam a sua presença nas redes sociais, pautados diretamente nas questões dos recursos humanos, conteúdos e usuários. Corroborando essa afirmação, Godeiro e Serafim (2013, p. 3) afirmam: “Portanto, faz-se necessário buscar formas de enfrentar tais desafios, transformando-os em benefícios para a unidade de informação”. Dentre as dificuldades citadas acima, destacamos as relacionadas com o “conteúdo”; por meio dele a biblioteca garantirá a sua presença constante nas redes sociais. As dificuldades das bibliotecas em relação aos conteúdos, segundo afirmam Godeiro e Serafim (2013), são referentes à “desatualização dos conteúdos já postados”; “conteúdos e informações interessantes para o usuário”, e “qual linguagem utilizar, a formal ou informal?”.

Tendo como base essa realidade, a nossa apresentação teve como “pano de fundo” a fanpage do Mural Interativo do Bibliotecário, a qual, de acordo com as nossas observações, tem servido de suporte informacional para bibliotecas e bibliotecários na disseminação de conteúdos relevantes e atualizados. Ao observarmos o crescimento espontâneo da página e a repercussão alcançada dentro da rede social, utilizamos as métricas disponibilizadas pelo Facebook para identificar quem eram os nossos fãs. Identificamos, então, que, além das pessoas físicas, 86 bibliotecas seguiam a fanpage, considerando o período de janeiro a março de 2015.

Baseados nessa informação, delineamos o objetivo geral do nosso trabalho, que foi identificar a contribuição do Mural Interativo do Bibliotecário como suporte à disseminação de informações relevantes para as bibliotecas dentro das redes sociais. Como objetivos específicos, definimos avaliar o interesse das bibliotecas em seguir a nossa fanpage e descrever a forma como acontece o engajamento das bibliotecas com o Mural. Nossa justificativa deu-se pela necessidade de entender a contribuição real que a fanpage apresenta para as bibliotecas que são seguidoras do Mural Interativo Bibliotecário. Para tanto, fez-se necessário esclarecermos a escolha do título do nosso trabalho: “Onde o galo canta, almoça e janta”, que é um título que faz menção a um adágio popular.


Segundo o Dicionário Aurélio, adágio é uma “espécie de provérbio que recorda com seriedade o que é usual; máxima, sentença popular.” (AURÉLIO, 2015, online). Em se tratando de mídia social, que lida com acessos, que geram acessos, que, por sua vez, geram novos acessos e assim por diante, ou seja, uma verdadeira progressão exponencial, nada mais adequado para este artigo do que ser intitulado como algo que é reconhecido pelo povo, que está “na boca do povo” e que é multiplicado pelo povo, de geração em geração, como é o caso de um ditado popular. O título, além de traduzir a troca em si: “Vou cantar aqui, mas, em troca, quero almoçar e, como gostei, vou também jantar, prossegue além da troca: Já que gostei, vou ficando por aqui e divulgando por aí, quem sabe fazemos uma orquestra, tocamos os corações e agradamos ainda mais.”

Mas o que tudo isso tem a ver com o Mural Interativo do Bibliotecário?

Conforme temos visto diariamente aqui na fanpage, essa troca pode ser de informações, de experiências, de ideias, de serviços e/ou de interesses profissionais. E, fazendo uma analogia com o referido ditado popular, a ideia não se resume a uma simples troca, pois vai além disso. Para se permanecer nessa situação de troca constante, de fidelização e de confiabilidade junto a uma comunidade seleta, há de se ter valor agregado: uma imagem e uma identidade que traduz hospitalidade, acolhimento, credibilidade, reciprocidade e encantamento. Os fãs conhecem, validam, confiam, interagem e divulgam!

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REFERÊNCIAS

AURÉLIO. Adágio. Dicionário do Aurélio. Disponível em: <http://www.dicionariodoaurelio.com>. Acesso em: 28 jun. 2015.

GODEIRO, Rebeka Maria de Carvalho Santos; SERAFIM, Andreza Nadja Freitas. O uso do Facebook como ferramenta para promoção de serviços em bibliotecas universitárias. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIBLIOTECONOMIA, DOCUMENTAÇÃO E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 25., Florianópolis, 2013. Anais... Disponível em: <http://portal.febab.org.br/anais/article/viewFile/1429/1430>. Acesso em: 22 abr. 2014.

HUNT, Tara. O poder das redes sociais: como o Fator Whuffie – o seu valor no mundo digital – pode maximizar os resultados de seus negócios. 2. ed. São Paulo: Editora Gente, 2010. 266 p.


PORTO, Camila. Facebook marketing: engajamento para transformar fãs em clientes. Curitiba: Quartel Digital, 2014. 113 p.

terça-feira, 21 de julho de 2015

LIVROS NO CÁRCERE: ENTRE A TÉCNICA BIBLIOTECÁRIA E A DEMANDA SOCIAL

por Catia Lindemann 

O embate neste assunto centra-se na dúvida: Será que basta levar obras literárias, catalogá-las e classificá-las nas estantes, disponibilizando aos apenados para de fato cumprir a missão da biblioteca/bibliotecário no cárcere? Pois lhes afirmo, por experiência própria, que é preciso readaptar e reinventar as técnicas bibliotecárias, considerando sempre que uma biblioteca deve ser moldada para o seu usuário e não o contrário. A premissa consiste que, no cárcere, lidamos com uma biblioteca destinada para um usuário diferenciado, onde as regras da prisão ultrapassam as regras da Biblioteconomia por uma questão de ordem e segurança.



Uma vez trabalhando com livros dentro da Instituição Penal é que se compreende que a teoria nem sempre consegue ação dentro da prática bibliotecária, manter uma biblioteca no cárcere é encarar a Biblioteconomia Social como uma nova realidade. E de que modo o bibliotecário deve se colocar diante desta realidade? Morigi (2002) cita que:

Não basta apenas realizar procedimentos técnicos (classificar, catalogar e indexar), estes, sem dúvida, são muito importantes para a formação do profissional. Entretanto, os bibliotecários devem ir além destes saberes e atividades técnicas, precisam buscar elementos teóricos ligados às ciências humanas, que fortaleçam a sua condição de cidadãos e profissionais.     

Portanto, é preciso, ainda, muito trabalho reflexivo para compreender que a atuação do profissional bibliotecário vai muito além de somente organizar o acervo desses espaços de leitura. O papel do bibliotecário vai além da técnica.
           
Segundo Trindade (2009), as bibliotecas prisionais desempenham uma função de cunho social de suma importância dentro do processo de ressocialização do apenado. Faz-se necessário que este profissional tenha ciência de que não lida apenas com a classificação de obras, mas, acima de tudo, com a classificação de saberes, fazendo valer o seu papel de agente de educação e de intermediário da informação.




No cárcere temos de reinventar e readaptar a Biblioteconomia. Tudo que aprendemos como teoria é contraposto quando se trata de biblioteca prisional. Olhar aquele espaço e lembrar-se de “Planejamento de Acervo”, mas lembrar de que lá dentro a priori é a segurança, a simples distribuição de estantes não pode ser colocada como de regra na “Biblio”, e sim de modo em que tenhamos a visão do apenado por completo, portanto, nada de estante na horizontal e sim dispostas na vertical. Ângulo que coloca em risco as obras, uma vez que o sol bate diretamente nas mesmas, mas que possibilita visão de tiro em caso de rebelião.

Adotar uma classificação que venha a ser não apenas entendida pelos apenados, mas acima de tudo compreendida, cumprindo também as metas eficazes de tempo e organização. Mesmo não sendo uma biblioteca escolar, se as cores correspondem ao entendimento do usuário apenado, então que assim seja, pois ele é o objeto direto do espaço de leitura. E se, ainda assim, ele sentir dificuldades, que seja então ouvido. Exemplo disso são as cores sugeridas pelos apenados, caso da cor azul clara que, segundo eles, é a cor do céu, que representa quem já morreu e, portanto, classificaria as obras de “Chico Xavier”.

Simplesmente alocar estantes num espaço vazio e nelas concentrar livros não torna o cárcere diferente em nada. Não basta levar as obras, é preciso torná-las familiares aos apenados, promovendo a mediação da leitura, debatendo e trazendo de volta preceitos eruditas de nossa profissão.


O cárcere trata de um público-alvo com suas especificidades. A biblioteca, enquanto espaço destinado às obras e à leitura, deve seguir, lógico, a técnica da Biblioteconomia e colocar em prática tudo o que nos foi ensinado durante a formação, porém a biblioteca, enquanto ferramenta social destinada ao apenado, não tem como seguir sozinha sem estar respaldada pelo respeito às regras do cárcere e, principalmente, respeito à cultura do preso, ou seja, Biblioteconomia Social.

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Confira maiores informações em: <http://www.youtube.com/watch?v=JG4tCPQu0U8&feature=youtu.be>. Acesso em: 21 jul. 2015.


REFERÊNCIAS

MORIGI, Valdir José. O bibliotecário e suas práticas na construção da cidadania. Revista ACB, Florianópolis, v. 7, n. 2, p. 135-147, jul. 2002. Semestral. Disponível em: <http://tinyurl.com/o38cly5>. Acesso em: 20 jul. 2015. 

TRINDADE, L. L. Biblioterapia e as bibliotecas de estabelecimentos prisionaisconceitos, objetivos e atribuições. 2009. 118 f. Monografia (Bacharelado em Biblioteconomia) – Departamento de Ciências da Informação e Documentação,
Universidade de Brasília, Brasília, 2009. Disponível em: <http://tinyurl.com/lznceoq>. Acesso em: 20 jul. 2015.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, MANGÁS, LEITURA E BIBLIOTECAS: PARTE II

por Juliana Lima




Com relação às histórias em quadrinhos ocidentais e aos mangás, você, leitor, deve estar se perguntando: histórias em quadrinhos são todas uma coisa só, ou não? Há diferenças de estilos ou de um país para o outro? De certa forma, diria que sim, tudo depende. A questão aqui não é se as histórias em quadrinhos são americanas, francesas, inglesas etc.

As HQs ocidentais são coloridas. Muitas delas são impressas em um papel de melhor qualidade, outras ainda são impressas em papel jornal, porém, ainda assim, são páginas coloridas, enquanto que os quadrinhos japoneses, em sua grande maioria, são em preto e branco e possuem folhas em papel jornal. Apesar disso, os mangás têm mesmo algo especial e, portanto, acabam se distinguindo dos demais estilos de HQs que estamos acostumados ou conhecemos, inclusive a começar pelo sentido da leitura (da direita para a esquerda), que é o oposto do modo ocidental (da esquerda para a direita).

O mangá é um produto cultural de massa, de origem nipônica, mas que conquistou o mundo e, principalmente, os brasileiros. É um produto cultural de massa tão legal e importante que tem até museu (ver Kyoto International Manga Museum: <http://www.kyotomm.jp/english/>)! E, por falar em museu, as HQs ocidentais também têm um museu, em Bruxelas (ver Comic Art Museum Brussels / Belgian Comic Strip Center: <http://www.comicscenter.net/en/home>). Mas, voltando aos mangás, o crescimento deles fez com que deixassem de ser exclusividade japonesa e passasse a influenciar os estilos dos quadrinhos de outros países, como o "Manhua", na China, e até o fatídico dia em que a Marvel se rendeu ao traço do mangá.

O que as HQs ocidentais e os mangás têm em comum é que ambos se adaptaram às novas tecnologias, quer sejam distribuídos e vendidos pelas grandes editoras do ramo, ou sendo distribuídos na rede pelos fãs, e, ainda, utilizando recursos diversos tais como sons, movimentos, etc., tornando-os, assim, híbridos, conforme foi observado pelo pesquisador Edgar Franco em seu livro “HQtrônicas”, título que corresponde ao nome que Franco atribuiu às HQs que utilizam esses recursos. Outro ponto em comum entre as HQs ocidentais e os mangás é o fato de as bibliotecas nem sempre investirem num acervo de mangás. Já existem bibliotecas e gibitecas compostas de HQs ocidentais, enquanto que ainda há bibliotecas que fogem do mangá assim como “o diabo da cruz”.

A literatura culta é sim bastante importante e necessária, mas, em alguns locais, as HQs, sejam elas orientais ou ocidentais, continuam sendo consideradas “subliteraturas”, apesar do esforço de alguns profissionais em mostrar que os quadrinhos também são importantes na formação do leitor. Inclusive, o autor Sidney Gusman já alertou que o mangá, hoje, é o único formador de leitores do mercado brasileiro em quadrinhos.


 
 Imagens extraídas da Internet (WIKIPÉDIA).



De acordo com Luyten (2002, p. 3), o artista Katsushita Hokusai, entre 1814 e 1848, foi o responsável por criar e cunhar o termo “mangá”, que é a junção de man (involuntário) e ga (desenho, imagem), cuja palavra resultante significa imagens involuntárias. Originalmente, a palavra não possui acentuação, porém no Brasil convencionou-se a utilização do acento para evitar a confusão com a palavra manga, com sentido de fruta ou parte da camisa (LUYTEN, 2002, p. 6).


Os mangás possuem características próprias que o diferem significativamente de outros quadrinhos, principalmente dos famosos comics americanos. O planejamento é diferente, a classificação e a editoração são processos que apresentam um caráter peculiar. O mangá é revista em quadrinhos, com diferentes gêneros e categorias, de leitura popular e que abrange qualquer tipo de público. É uma leitura de prazer, sem preconceitos. Além disso, vale ressaltar que possui características editoriais específicas: divisão por sexo e idade, estilo e conteúdo. Existe também uma forte identificação entre o leitor e os personagens, pelo fato de suas histórias abordarem temas e aspectos que nem sempre aparecem nos quadrinhos tradicionais.

Gravett (2006) nos conta que durante muito tempo os quadrinhos japoneses foram vítimas de preconceitos por parte do ocidente. Mesmo em sua terra natal, o mangá é visto como um produto da cultura popular e é considerado por alguns como “subliteratura”, pois abre espaço para todos, no sentido de que se publica de tudo, desde uma disputa no campo da culinária até o sonho de tornar-se jogador de futebol ou de basquete, além das obras mais “marginais”, especialmente as de cunho erótico, e alguns enredos podem parecer muito exóticos para a cultura ocidental. Fernandes ([200-]) corrobora que a maior crítica ao mangá é relativa à presença de violência e sexo nessas histórias.

Contudo, apesar da crítica, é preciso observar determinados aspectos: primeiro, a publicação de mangás é feita por faixa etária e de acordo com o público. Significa dizer que as histórias feitas para crianças não apresentam as características fortemente criticadas. A autora explica: “Mangá, revista em quadrinhos japonesa muito pouco conhecida entre educadores e que, com quadrinhos em preto e branco e desenhos com traços fortes dá uma primeira impressão, pela sua diagramação e aparência física, de leitura de histórias violentas e sem conteúdo formador para os jovens leitores.” (FERNANDES, [200-], p. 1-2).

 Imagens extraídas da Internet (WIKIPÉDIA).



Os estudos realizados por Fernandes ([200-]), Luyten (2005) e Vergueiro (2007) apontam na direção contrária do que é dito acerca do mangá. O processo de recepção não é algo passivo, o consumidor reelabora o que lê num processo de “simbiose”. Benjamin (1994 citado por FERNANDES, [200-], p. 3) identifica a narrativa tradicional como uma troca de experiências. O mangá possui esse aspecto da narrativa, no qual o conceito é transmitido ao leitor, e são realizadas longas reflexões por meio dos personagens com os quais o leitor se identifica. O mangá representa não somente uma história que é contada: aborda temas, estilos, concepções e conceitos baseados na capacidade criativa, sempre diferenciada em seus autores, cada um influenciado por suas experiências.

Ler mangá é, na verdade, um convite a experimentar as sensações dos seus criadores ao criarem a narrativa e, ao fazermos uma releitura, nos remetermos a algo que anteriormente passou despercebido. Talvez, esses sejam os maiores ingredientes da receita de sucesso do mangá.

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Fontes consultadas:

FERNANDES, Adriana Hoffmann. O jovem e o consumo do mangá: reflexões sobre narrativa e contemporaneidade. Disponível em: <http://www.emdialogo.uff.br/sites/default/files/GT16-2202--Int.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2015.
 
FRANCO, Edgar Silveira. A indústria das HQs logo sentirá o baque dos downloads. O POVO, Fortaleza, 17 fev. 2008. Caderno 3, p. 8.

______. HQtrônicas: do suporte papel à rede internet. 2. ed. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008.

GRAVETT, Paul. Mangá: como o Japão reinventou os quadrinhos. São Paulo: Conrad, 2006.

LUYTEN, Sonia M. Bibe. Cultura pop japonesa. São Paulo: Hedra, 2005.

______. Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses. São Paulo: Hedra, 2002.

MOLINÉ, Alfons. O grande livro dos mangás. São Paulo: JBC, 2004.

VASCONCELLOS, Pedro Vicente Figueiredo. Mangá-dô: os caminhos das histórias em quadrinhos japonesas. 2006. 220 f. Dissertação (Mestrado em Design) – Centro de Teologia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.

VERGUEIRO, Waldomiro. A atualidade das histórias em quadrinhos no Brasil: a busca de um novo público. História, imagem e narrativas, ano 3, n. 5, set. 2007.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

BIBLIOTECONOMIA SOCIAL: MENORES INFRATORES SOB A PERSPECTIVA DA AÇÃO BIBLIOTECÁRIA



por Catia Lindemann

O que é a Biblioteconomia Social? Trata-se exatamente da essência mais pura em que nasceu a Biblioteconomia, um fazer bibliotecário humanista, erudito, pragmático. Uma vertente que, além de organizar as obras do conhecimento e fazer o processamento técnico da informação, também atua apresentando as obras e a informação aos que não têm acesso às mesmas. Deste modo, o bibliotecário torna-se o mediador atuante e participativo da biblioteca com a comunidade. 

Apresentaremos nesta matéria não uma bibliotecária que aplica a Biblioteconomia Social, mas seis bibliotecárias! Todas atuando com menores privados de liberdade. 

A partir de concurso público realizado em 2012, o Departamento Geral de Ações Socioeducativas – Novo DEGASE –, órgão vinculado à Secretaria de Estado de Educação e responsável por aplicar as medidas socioeducativas aos adolescentes em conflito com a lei no Estado do Rio de Janeiro, passou a ter integrado ao seu quadro de carreiras o profissional Bibliotecário.

Atualmente, o Departamento tem seis profissionais que se distribuem da seguinte maneira: duas lotadas na Assessoria de Sistematização Institucional (ASIST) e as demais nas unidades de internação CAI Baixada (Centro de Atendimento Integrado da Baixada), ESE (Educandário Santo Expedito); Semiliberdade CRIAAD (Centros de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente) São Gonçalo, e na unidade de internação provisória Dom Bosco.

As duas bibliotecárias lotadas na ASIST são responsáveis pela gestão da Biblioteca Central, que tem como visão ser uma biblioteca referência, especializada em Socioeducação, tendo como público-alvo os servidores do Departamento e os pesquisadores em geral. Cabe também à Biblioteca Central planejar, orientar e difundir as atividades desenvolvidas nas Salas de Leitura do Novo DEGASE, atividades estas aplicadas pelas bibliotecárias lotadas nas unidades, exercendo o papel social e humanista da profissão, fazendo jus ao juramento que um dia proferiram.
 
 
Estas bibliotecárias exercem um papel que vai à contramão do fazer bibliotecário propriamente dito, que consiste em organizar a informação, pois elas “desorganizam” conceitos e ideias pré-concebidas para, junto destes jovens, montarem novos conceitos e novos saberes. Profissionais que apresentam os livros aos jovens que antes sequer haviam pegado num só livro em suas vidas. Menores que, por algum motivo, foram recolhidos e punidos pela justiça, mas que encontraram na biblioteca e na atuação destas bibliotecárias uma nova perspectiva de vida por meio dos livros.

Sabemos que a maior parte dos adolescentes que passam pelo sistema socioeducativo tem baixa escolaridade, sendo analfabetos totais ou funcionais, e os que tiveram contato com a escola, frequentemente terminaram em fracasso. Promover o contato desses adolescentes com o livro e a leitura é mostrar a eles que eles podem descobrir um novo caminho, novas culturas, que são capazes de fazer outras escolhas, que a leitura emancipa o indivíduo, amplia o horizonte, melhora o vocabulário, a interpretação de mundo, estimula a reflexão, proporciona cultura, lazer e conscientiza dos direitos e deveres, proporcionando uma nova perspectiva da vida. (Lilian Casimiro – Bibliotecária do DEGASE).

As salas de leitura do Novo DEGASE atuam como locais de acesso à informação, à pesquisa e à cultura, sendo importantes instrumentos de desenvolvimento social, auxiliando na ressocialização do adolescente. Apesar de eles estarem privados de liberdade, nas salas de leitura eles têm a autonomia de escolher o tipo de literatura que querem ler, a leitura não lhes é imposta e nem obrigada. Fazemos de tudo para que esse momento seja prazeroso para eles.

Para a bibliotecária Danielle Torres – DEGASE:

A sala de leitura é um espaço em que o adolescente pode não apenas realizar atividades de leitura, como também desenvolver diversas habilidades, como desenho, escrita, artesanato, entre outras. A partir dessas atividades, esse jovem, muitas vezes desacreditado em si mesmo, passa a enxergar suas potencialidades e, então, vislumbrar uma vida diferente. A leitura é uma oportunidade única para o adolescente ver o mundo para além dos muros da unidade.

E Viviane Pinto, também bibliotecária – DEGASE – enfatiza que “o acesso à leitura, possibilitada pela biblioteca, aos adolescentes em conflito com a lei amplia o senso crítico e reflexão do presente criando possibilidades regenerativas para o futuro”.

As atividades desenvolvidas por este time de bibliotecárias são de mediação de leitura, leitura dramatizada, debates dos assuntos explorados nos livros ou em outros registros de informação (revista, filme, música, etc.), estimulando os adolescentes a refletirem sobre o tema proposto e fazendo com que eles possam transmitir suas reflexões da história através de textos, desenhos, pinturas, artesanato, roda de conversas, dentre outras atividades relacionadas à leitura.

Trabalhando diretamente com estes menores, as bibliotecárias conhecem bem os personagens tão discutidos em nosso país nos últimos tempos: “maioridade penal”. Mas exatamente por conviver com eles é que elas se colocam contra a redução de idade para menores infratores. Lídia Oliveira explica exatamente o porquê desta posição:

Invista na construção de escola ao invés da construção de grades. O mundo não precisa de mais segregação e sim de união. Não julgue da mesma forma quem sempre foi enxergado e tratado de forma desigual. É o momento de se reavaliar e modificar o Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma possível e justa alteração talvez seja ampliar o período de internação daqueles que tiraram ou violentaram vidas dentro das unidades de socioeducação. Sim, é nas instituições que tenham como objetivo de ressocializar que esses adolescentes devem permanecer, e não em prisões que, além de não darem nenhuma oportunidade de aprendizado, só impulsionam a sede de vingança e aumentam a falta de esperança na vida. Redução é condenação. Educação, esporte, cultura e lazer é a solução. (LIDIA OLIVEIRA – Bibliotecária do DEGASE).

Esta é a perspectiva da ação bibliotecária sobre a maioridade penal, uma visão de quem vive esta realidade e luta por meio dos livros para que ela tenha um desfecho melhor no futuro. Profissionais que dedicam o seu fazer bibliotecário para estes jovens, que acreditam não haver outro caminho no combate à criminalidade senão os caminhos da Educação. Segundo Lilian, é preciso investir na construção de escolas ao invés de grades.

Na percepção destas bibliotecárias, estes jovens necessitam é de instituições que tenham como objetivo de ressocializar que esses adolescentes devem permanecer, e não em prisões que além de não dar nenhuma oportunidade de aprendizado, só impulsionam a sede de vingança aumentam e a falta de esperança na vida. Redução é condenação. Educação, esporte, cultura e lazer é a solução!

Concluímos lembrando que somos os profissionais da informação, portanto debater este assunto, disponibilizar informações corretas acerca deste tema, é, na verdade, nossa obrigação. Que o maravilhoso trabalho deste time de bibliotecárias possa inspirar a nossa classe e, quem sabe, ele não possa também ser aplicado em outras tantas instituições que lidam com menores em privação de liberdade.

Parabéns, Bibliotecárias! Vocês certamente enchem a nossa classe de orgulho, levando e aplicando a Biblioteconomia Social.

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1 Para maiores informações sobre o trabalho realizado pelas bibliotecárias do DEGASE, acesse a página da Biblioteca do Novo DEGASE no Facebook:
 
2 Para maiores informações sobre o tema Biblioteconomia Social e a sua aplicabilidade aos menores infratores, acesse o vídeo disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=vB4I4nueMCo&feature=youtu.be>. Acesso em: 07 jul. 2015.