Com
relação às histórias em quadrinhos ocidentais e aos mangás, você, leitor, deve
estar se perguntando: histórias em quadrinhos são todas uma coisa só, ou não?
Há diferenças de estilos ou de um país para o outro? De certa forma, diria que
sim, tudo depende. A questão aqui não é se as histórias em quadrinhos são
americanas, francesas, inglesas etc.
As
HQs ocidentais são coloridas. Muitas delas são impressas em um papel de melhor
qualidade, outras ainda são impressas em papel jornal, porém, ainda assim, são
páginas coloridas, enquanto que os quadrinhos japoneses, em sua grande maioria,
são em preto e branco e possuem folhas em papel jornal. Apesar disso, os mangás
têm mesmo algo especial e, portanto, acabam se distinguindo dos demais estilos
de HQs que estamos acostumados ou conhecemos, inclusive a começar pelo sentido
da leitura (da direita para a esquerda), que é o oposto do modo ocidental (da
esquerda para a direita).
O
mangá é um produto cultural de massa, de origem nipônica, mas que conquistou o
mundo e, principalmente, os brasileiros. É um produto cultural de massa tão
legal e importante que tem até museu (ver Kyoto
International Manga Museum: <http://www.kyotomm.jp/english/>)! E, por falar em museu,
as HQs ocidentais também têm um museu, em Bruxelas (ver Comic Art Museum Brussels / Belgian
Comic Strip Center: <http://www.comicscenter.net/en/home>). Mas, voltando aos
mangás, o crescimento deles fez com que deixassem de ser exclusividade japonesa
e passasse a influenciar os estilos dos quadrinhos de outros países, como o
"Manhua", na China, e até o fatídico dia em que a Marvel se rendeu ao
traço do mangá.
O
que as HQs ocidentais e os mangás têm em comum é que ambos se adaptaram às
novas tecnologias, quer sejam distribuídos e vendidos pelas grandes editoras do
ramo, ou sendo distribuídos na rede pelos fãs, e, ainda, utilizando recursos
diversos tais como sons, movimentos, etc., tornando-os, assim, híbridos,
conforme foi observado pelo pesquisador Edgar Franco em seu livro “HQtrônicas”,
título que corresponde ao nome que Franco atribuiu às HQs que utilizam esses
recursos. Outro ponto em comum entre as HQs ocidentais e os mangás é o fato de
as bibliotecas nem sempre investirem num acervo de mangás. Já existem
bibliotecas e gibitecas compostas de HQs ocidentais, enquanto que ainda há bibliotecas
que fogem do mangá assim como “o diabo da cruz”.
A
literatura culta é sim bastante importante e necessária, mas, em alguns locais,
as HQs, sejam elas orientais ou ocidentais, continuam sendo consideradas “subliteraturas”,
apesar do esforço de alguns profissionais em mostrar que os quadrinhos também
são importantes na formação do leitor. Inclusive, o autor Sidney Gusman já
alertou que o mangá, hoje, é o único formador de leitores do mercado brasileiro
em quadrinhos.
Imagens extraídas da Internet
(WIKIPÉDIA).
De
acordo com Luyten (2002, p. 3), o artista Katsushita Hokusai, entre 1814 e
1848, foi o responsável por criar e cunhar o termo “mangá”, que é a junção de
man (involuntário) e ga (desenho, imagem), cuja palavra resultante significa
imagens involuntárias. Originalmente, a palavra não possui acentuação, porém no
Brasil convencionou-se a utilização do acento para evitar a confusão com a
palavra manga, com sentido de fruta ou parte da camisa (LUYTEN, 2002, p. 6).
Os
mangás possuem características próprias que o diferem significativamente de outros
quadrinhos, principalmente dos famosos comics
americanos. O planejamento é diferente, a classificação e a editoração são
processos que apresentam um caráter peculiar. O mangá é revista em quadrinhos,
com diferentes gêneros e categorias, de leitura popular e que abrange qualquer
tipo de público. É uma leitura de prazer, sem preconceitos. Além disso, vale
ressaltar que possui características editoriais específicas: divisão por sexo e
idade, estilo e conteúdo. Existe também uma forte identificação entre o leitor
e os personagens, pelo fato de suas histórias abordarem temas e aspectos que
nem sempre aparecem nos quadrinhos tradicionais.
Gravett
(2006) nos conta que durante muito tempo os quadrinhos japoneses foram vítimas
de preconceitos por parte do ocidente. Mesmo em sua terra natal, o mangá é
visto como um produto da cultura popular e é considerado por alguns como “subliteratura”,
pois abre espaço para todos, no sentido de que se publica de tudo, desde uma
disputa no campo da culinária até o sonho de tornar-se jogador de futebol ou de
basquete, além das obras mais “marginais”, especialmente as de cunho erótico, e
alguns enredos podem parecer muito exóticos para a cultura ocidental. Fernandes
([200-]) corrobora que a maior crítica ao mangá é relativa à presença de
violência e sexo nessas histórias.
Contudo, apesar da crítica, é preciso
observar determinados aspectos: primeiro, a publicação de mangás é feita por
faixa etária e de acordo com o público. Significa dizer que as histórias feitas
para crianças não apresentam as características fortemente criticadas. A autora
explica: “Mangá, revista em quadrinhos japonesa muito pouco conhecida entre
educadores e que, com quadrinhos em preto e branco e desenhos com traços fortes
dá uma primeira impressão, pela sua diagramação e aparência física, de leitura
de histórias violentas e sem conteúdo formador para os jovens leitores.” (FERNANDES,
[200-], p. 1-2).
Imagens extraídas da Internet
(WIKIPÉDIA).
Os
estudos realizados por Fernandes ([200-]), Luyten (2005) e Vergueiro (2007) apontam
na direção contrária do que é dito acerca do mangá. O processo de recepção não
é algo passivo, o consumidor reelabora o que lê num processo de “simbiose”.
Benjamin (1994 citado por FERNANDES, [200-], p. 3) identifica a narrativa
tradicional como uma troca de experiências. O mangá possui esse aspecto da
narrativa, no qual o conceito é transmitido ao leitor, e são realizadas longas
reflexões por meio dos personagens com os quais o leitor se identifica. O mangá
representa não somente uma história que é contada: aborda temas, estilos,
concepções e conceitos baseados na capacidade criativa, sempre diferenciada em seus
autores, cada um influenciado por suas experiências.
Ler
mangá é, na verdade, um convite a experimentar as sensações dos seus criadores ao criarem a narrativa e, ao fazermos uma
releitura, nos remetermos a algo que anteriormente passou despercebido. Talvez,
esses sejam os maiores ingredientes da receita de sucesso do mangá.
--
Fontes consultadas:
FERNANDES, Adriana Hoffmann. O jovem e o consumo do mangá: reflexões
sobre narrativa e contemporaneidade. Disponível em: <http://www.emdialogo.uff.br/sites/default/files/GT16-2202--Int.pdf>.
Acesso em: 12 jul. 2015.
FRANCO, Edgar Silveira. A indústria
das HQs logo sentirá o baque dos downloads. O POVO, Fortaleza, 17 fev. 2008. Caderno 3, p. 8.
______. HQtrônicas: do suporte papel à rede internet. 2. ed. São Paulo:
Annablume; Fapesp, 2008.
GRAVETT, Paul. Mangá: como o Japão reinventou os quadrinhos. São Paulo: Conrad,
2006.
LUYTEN, Sonia M. Bibe. Cultura pop japonesa. São Paulo: Hedra,
2005.
______. Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses. São Paulo: Hedra, 2002.
MOLINÉ, Alfons. O grande livro dos mangás. São Paulo: JBC, 2004.
VASCONCELLOS, Pedro Vicente
Figueiredo. Mangá-dô: os caminhos das histórias em quadrinhos japonesas. 2006.
220 f. Dissertação (Mestrado em Design) – Centro de Teologia e Ciências
Humanas, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.
VERGUEIRO, Waldomiro. A atualidade
das histórias em quadrinhos no Brasil: a busca de um novo público. História, imagem e narrativas, ano 3,
n. 5, set. 2007.
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