quarta-feira, 6 de maio de 2015

REPRESENTAÇÃO DO CONHECIMENTO NA PERSPECTIVA DO USUÁRIO

Por Fabíola Maria Pereira Bezerra
 
Os sistemas de classificação existentes oferecem um “imenso mapa do conhecimento”, formando um arcabouço, em que as ideias podem articular-se, umas com as outras, de diversas maneiras. A proposta aqui não é questionar os sistemas de classificação existentes, muito pelo contrário, acredito que eles respondem, de forma eficiente, ao objetivo para o qual foram criados. O ponto que gostaria de abordar é em relação à dificuldade de compreensão, por parte dos usuários, dessa simbologia utilizada nas bibliotecas no processo de representação do conhecimento.

Durante nove longos anos, estive à frente dos treinamentos para usuários de biblioteca universitária. Foi um período onde pude conhecer mais detalhadamente a visão deles sobre bibliotecas e sobre bibliotecários. Um dos grandes GARGALOS de comunicação que identifiquei foi em relação à compreensão organizacional adotada pela biblioteca para guarda dos livros nas estantes, tornando-se, algumas vezes, um grande labirinto de difícil locomoção.

Observo que a preocupação por parte de bibliotecários consiste em seguir “cegamente” as regras e padrões de tratamento da informação, ignorando que os usuários não sabem a utilidade destas regras e muito menos o que elas significam. Nesse sentido, acredito que o grande desafio do profissional da informação será sua postura em não se limitar a dominar a técnica de manuseio e compreensão dos complexos códigos de classificação e catalogação, mas sim a transmissão e decodificação destes em uma linguagem mais próxima à de sua clientela, criando fórmulas de simplificação, assumindo seu papel de “facilitador”, mediador entre usuários e sistema de recuperação da informação. A compreensão truncada do processo de tradução pelos usuários é consequência da ausência de sentido da simbologia alfanumérica, utilizada pelas linguagens de classificação.
 
 
NA MAIORIA DAS VEZES, o que é óbvio para o bibliotecário não é evidente para o usuário. Baseados neste princípio é que muitos sistemas de informação são sub-utilizados pelos seus usuários potenciais.

Gostaria de ilustrar a minha fala apresentando rapidamente como exemplo o resultado da minha pesquisa de Mestrado, que tratou sobre a representação nos sistemas de informação. O universo pesquisado foram 600 usuários de duas bibliotecas universitárias e uma biblioteca pública.

Dentre outras questões, procuramos conhecer o nível de compreensão que os mesmos possuem em relação ao sistema de classificação, materializado nas etiquetas dos livros. Do universo pesquisado, somente 10 usuários associam a classificação ao assunto do livro. Quando observamos as respostas apresentadas pelos usuários que assumidamente reconheceram não entender o significado dos números é que fica evidente o quanto nosso sistema de representação tem pouco significado para eles:

“É um código estranho e inacessível ao utilizador comum”;
“Se é possível ou não 'levar para casa';
“Não entendo a etiqueta na estante, há sempre um funcionário para auxiliar”;
“Sei que são números através dos quais a biblioteca vê quantos exemplares e que livros tem, mas para mim isso não interessa”;
“Frequento esta biblioteca há 4 anos e ainda não consegui entender o modo de organização dos livros”;
“Para mim não tem significado, mas acredito que para os bibliotecários deve ter”;
“Essas etiquetas referem-se apenas ao local da estante a que o livro pertence. Essa informação é apenas útil para quem vai arrumar a estante”;
“Não sei ao que se referem, talvez para regulamento interno, não é relevante”;
“Porque nunca perdi tempo a analisar essas etiquetas, é porque compreendo que fazem parte do sistema de informação da biblioteca e, por conseguinte, não necessariamente perceptível aos leitores”;
“Penso que deve ser um código adotado pela biblioteca, que tem sentido para eles que o designaram e não para nós que utilizamos”;
“Apesar de não serem de grande utilidade para os leitores, têm grande importância para a organização dos livros por seções (e para todo o tratamento bibliotecário, facilitando posteriormente a aquisição dos livros”;
“São apenas um código para identificação dos livros, sem interesse para o usuário”;
“Para identificação do patrimônio”;
“Apenas sei que os livros estão organizados por ordem alfabética de autor”;
“Raramente consigo identificar o código com os livros, para mim trata-se apenas de um código do livro”;
“Porque haveria de ter?”;
“Provavelmente terá relação com os temas e ordem cronológica de aquisição”;
“Ano de publicação e autor”;
“Sim, às vezes, nunca me explicaram a lógica”;
“Basicamente a única coisa que uso das etiquetas é o nome do autor, que é fácil encontrar alfabeticamente, já que está tudo organizado por temas. O resto, não entendo”;
“Não percebo qual é a lógica da numeração”;
“Tem muitos algarismos dispostos sem ordem aparente”;
“Não gosto de perder tempo a procurar livros, logo as etiquetas nada me dizem. Prefiro pedir ajuda”;
“É utilizado um código pouco intuitivo”;
“Os números não têm significado porque não são de fácil compreensão”;
“Entendo que tenha significado para os técnicos”;
“Se não fossem os auxiliares, não encontrava nada”.

 
 
Não defendo a tese de que os usuários de bibliotecas precisam aprender a classificar livros, ou mesmo saber manusear os complexos códigos de classificação. Meu questionamento limita-se à compreensão dos usuários em relação à estrutura (ou ideia) utilizada na composição dos números na etiqueta dos livros. É desanimador enquanto profissional perceber que usuários de bibliotecas não associam os números aos assuntos, ou mesmo não compreendem que a organização da biblioteca segue uma estrutura lógica baseada na divisão do conhecimento; para eles, os números são simplesmente uma forma de codificação de localização que permite à biblioteca vir a saber onde cada livro está. Se houvesse por parte deles uma compreensão, por menor que fosse, certamente o processo de recuperação da informação seria muito mais eficiente, e a interface biblioteca vs usuário muito mais amigável.

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