por Catia Lindemann
O que é a Biblioteconomia Social? Trata-se exatamente
da essência mais pura em que nasceu a Biblioteconomia, um fazer bibliotecário humanista,
erudito, pragmático. Uma vertente que, além de organizar as obras do
conhecimento e fazer o processamento técnico da informação, também atua
apresentando as obras e a informação aos que não têm acesso às mesmas. Deste
modo, o bibliotecário torna-se o mediador atuante e participativo da biblioteca
com a comunidade.
Apresentaremos nesta matéria não uma bibliotecária que
aplica a Biblioteconomia Social, mas seis bibliotecárias! Todas atuando com
menores privados de liberdade.
A partir de concurso público realizado em 2012, o
Departamento Geral de Ações Socioeducativas – Novo DEGASE –, órgão vinculado à
Secretaria de Estado de Educação e responsável por aplicar as medidas
socioeducativas aos adolescentes em conflito com a lei no Estado do Rio de
Janeiro, passou a ter integrado ao seu quadro de carreiras o profissional
Bibliotecário.
Atualmente, o Departamento tem seis profissionais que
se distribuem da seguinte maneira: duas lotadas na Assessoria de Sistematização
Institucional (ASIST) e as demais nas unidades de internação CAI Baixada
(Centro de Atendimento Integrado da Baixada), ESE (Educandário Santo Expedito);
Semiliberdade CRIAAD (Centros de Recursos Integrados de Atendimento ao
Adolescente) São Gonçalo, e na unidade de internação provisória Dom Bosco.
As duas bibliotecárias lotadas na ASIST são
responsáveis pela gestão da Biblioteca Central, que tem como visão ser uma
biblioteca referência, especializada em Socioeducação, tendo como público-alvo
os servidores do Departamento e os pesquisadores em geral. Cabe também à
Biblioteca Central planejar, orientar e difundir as atividades desenvolvidas
nas Salas de Leitura do Novo DEGASE, atividades estas aplicadas pelas
bibliotecárias lotadas nas unidades, exercendo o papel social e humanista da profissão, fazendo jus ao juramento que
um dia proferiram.
Estas bibliotecárias exercem um papel que vai à contramão
do fazer bibliotecário propriamente dito, que consiste em organizar a
informação, pois elas “desorganizam” conceitos e ideias pré-concebidas para,
junto destes jovens, montarem novos conceitos e novos saberes. Profissionais
que apresentam os livros aos jovens que antes sequer haviam pegado num só livro
em suas vidas. Menores que, por algum motivo, foram recolhidos e punidos pela
justiça, mas que encontraram na biblioteca e na atuação destas bibliotecárias
uma nova perspectiva de vida por meio dos livros.
Sabemos
que a maior parte dos adolescentes que passam pelo sistema socioeducativo tem
baixa escolaridade, sendo analfabetos totais ou funcionais, e os que tiveram
contato com a escola, frequentemente terminaram em fracasso. Promover o contato
desses adolescentes com o livro e a leitura é mostrar a eles que eles podem
descobrir um novo caminho, novas culturas, que são capazes de fazer outras
escolhas, que a leitura emancipa o indivíduo, amplia o horizonte, melhora o
vocabulário, a interpretação de mundo, estimula a reflexão, proporciona
cultura, lazer e conscientiza dos direitos e deveres, proporcionando uma nova
perspectiva da vida. (Lilian Casimiro – Bibliotecária do DEGASE).
As salas de leitura do Novo DEGASE atuam como locais
de acesso à informação, à pesquisa e à cultura, sendo importantes instrumentos
de desenvolvimento social, auxiliando na ressocialização do adolescente. Apesar
de eles estarem privados de liberdade, nas salas de leitura eles têm a autonomia
de escolher o tipo de literatura que querem ler, a leitura não lhes é imposta e
nem obrigada. Fazemos de tudo para que esse momento seja prazeroso para eles.
Para a
bibliotecária Danielle Torres – DEGASE:
A sala de
leitura é um espaço em que o adolescente pode não apenas realizar atividades de
leitura, como também desenvolver diversas habilidades, como desenho, escrita,
artesanato, entre outras. A partir dessas atividades, esse jovem, muitas vezes
desacreditado em si mesmo, passa a enxergar suas potencialidades e, então,
vislumbrar uma vida diferente. A leitura é uma oportunidade única para o
adolescente ver o mundo para além dos muros da unidade.
E Viviane Pinto, também
bibliotecária – DEGASE – enfatiza que “o acesso à leitura, possibilitada pela
biblioteca, aos adolescentes em conflito com a lei amplia o senso crítico e
reflexão do presente criando possibilidades regenerativas para o futuro”.
As atividades
desenvolvidas por este time de bibliotecárias são de mediação de leitura,
leitura dramatizada, debates dos assuntos explorados nos livros ou em outros
registros de informação (revista, filme, música, etc.), estimulando os
adolescentes a refletirem sobre o tema proposto e fazendo com que eles possam
transmitir suas reflexões da história através de textos, desenhos, pinturas,
artesanato, roda de conversas, dentre outras atividades relacionadas à leitura.
Trabalhando
diretamente com estes menores, as bibliotecárias conhecem bem os personagens
tão discutidos em nosso país nos últimos tempos: “maioridade penal”. Mas
exatamente por conviver com eles é que elas se colocam contra a redução de
idade para menores infratores. Lídia Oliveira explica exatamente o porquê desta
posição:
Invista na
construção de escola ao invés da construção de grades. O mundo não precisa de
mais segregação e sim de união. Não julgue da mesma forma quem sempre foi
enxergado e tratado de forma desigual. É o momento de se reavaliar e modificar
o Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma possível e justa alteração talvez seja
ampliar o período de internação daqueles que tiraram ou violentaram vidas
dentro das unidades de socioeducação. Sim, é nas instituições que tenham como
objetivo de ressocializar que esses adolescentes devem permanecer, e não em
prisões que, além de não darem nenhuma oportunidade de aprendizado, só
impulsionam a sede de vingança e aumentam a falta de esperança na vida. Redução
é condenação. Educação, esporte, cultura e lazer é a solução. (LIDIA OLIVEIRA –
Bibliotecária do DEGASE).
Esta é a perspectiva da ação bibliotecária sobre a
maioridade penal, uma visão de quem vive esta realidade e luta por meio dos
livros para que ela tenha um desfecho melhor no futuro. Profissionais que
dedicam o seu fazer bibliotecário para estes jovens, que acreditam não haver outro
caminho no combate à criminalidade senão os caminhos da Educação. Segundo
Lilian, é preciso investir na construção de escolas ao invés de grades.
Na percepção destas bibliotecárias, estes jovens
necessitam é de instituições que tenham como objetivo de ressocializar que
esses adolescentes devem permanecer, e não em prisões que além de não dar
nenhuma oportunidade de aprendizado, só impulsionam a sede de vingança aumentam
e a falta de esperança na vida. Redução é condenação. Educação, esporte,
cultura e lazer é a solução!
Concluímos lembrando que somos os profissionais da
informação, portanto debater este assunto, disponibilizar informações corretas
acerca deste tema, é, na verdade, nossa obrigação. Que o maravilhoso trabalho
deste time de bibliotecárias possa inspirar a nossa classe e, quem sabe, ele
não possa também ser aplicado em outras tantas instituições que lidam com
menores em privação de liberdade.
--
1 Para maiores
informações sobre o trabalho realizado pelas bibliotecárias do DEGASE, acesse a
página da Biblioteca do Novo DEGASE no Facebook:
<http://www.facebook.com/pages/Biblioteca-Novo-Degase/690496160977258>.
Acesso em: 07 jul. 2015.
2 Para maiores
informações sobre o tema Biblioteconomia Social e a sua aplicabilidade aos menores
infratores, acesse o vídeo disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=vB4I4nueMCo&feature=youtu.be>.
Acesso em: 07 jul. 2015.
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