O embate neste assunto centra-se
na dúvida: Será que basta levar obras literárias, catalogá-las e classificá-las
nas estantes, disponibilizando aos apenados para de fato cumprir a missão da
biblioteca/bibliotecário no cárcere? Pois lhes afirmo, por experiência própria,
que é preciso readaptar e reinventar as técnicas bibliotecárias, considerando
sempre que uma biblioteca deve ser moldada para o seu usuário e não o
contrário. A premissa consiste que, no cárcere, lidamos com uma biblioteca
destinada para um usuário diferenciado, onde as regras da prisão ultrapassam as
regras da Biblioteconomia por uma questão de ordem e segurança.
Uma vez trabalhando com livros
dentro da Instituição Penal é que se compreende que a teoria nem sempre consegue
ação dentro da prática bibliotecária, manter uma biblioteca no cárcere é
encarar a Biblioteconomia Social como uma nova realidade. E de que modo o
bibliotecário deve se colocar diante desta realidade? Morigi (2002) cita que:
Não basta apenas
realizar procedimentos técnicos (classificar, catalogar e indexar), estes, sem
dúvida, são muito importantes para a formação do profissional. Entretanto, os
bibliotecários devem ir além destes saberes e atividades técnicas, precisam
buscar elementos teóricos ligados às ciências humanas, que fortaleçam a sua
condição de cidadãos e profissionais.
Portanto, é preciso, ainda, muito
trabalho reflexivo para compreender que a atuação do profissional bibliotecário
vai muito além de somente organizar o acervo desses espaços de leitura. O papel
do bibliotecário vai além da técnica.
Segundo Trindade (2009), as
bibliotecas prisionais desempenham uma função de cunho social de suma
importância dentro do processo de ressocialização do apenado. Faz-se necessário
que este profissional tenha ciência de que não lida apenas com a classificação
de obras, mas, acima de tudo, com a classificação de saberes, fazendo valer o
seu papel de agente de educação e de intermediário da informação.
No cárcere temos de reinventar e
readaptar a Biblioteconomia. Tudo que aprendemos como teoria é contraposto
quando se trata de biblioteca prisional. Olhar aquele espaço e lembrar-se de
“Planejamento de Acervo”, mas lembrar de que lá dentro a priori é a segurança,
a simples distribuição de estantes não pode ser colocada como de regra na “Biblio”,
e sim de modo em que tenhamos a visão do apenado por completo, portanto, nada
de estante na horizontal e sim dispostas na vertical. Ângulo que coloca em
risco as obras, uma vez que o sol bate diretamente nas mesmas, mas que
possibilita visão de tiro em caso de rebelião.
Adotar uma classificação que venha
a ser não apenas entendida pelos apenados, mas acima de tudo compreendida,
cumprindo também as metas eficazes de tempo e organização. Mesmo não sendo uma
biblioteca escolar, se as cores correspondem ao entendimento do usuário
apenado, então que assim seja, pois ele é o objeto direto do espaço de leitura.
E se, ainda assim, ele sentir dificuldades, que seja então ouvido. Exemplo
disso são as cores sugeridas pelos apenados, caso da cor azul clara que,
segundo eles, é a cor do céu, que representa quem já morreu e, portanto,
classificaria as obras de “Chico Xavier”.
Simplesmente alocar estantes num
espaço vazio e nelas concentrar livros não torna o cárcere diferente em nada.
Não basta levar as obras, é preciso torná-las familiares aos apenados,
promovendo a mediação da leitura, debatendo e trazendo de volta preceitos
eruditas de nossa profissão.
O cárcere trata de um
público-alvo com suas especificidades. A biblioteca, enquanto espaço destinado
às obras e à leitura, deve seguir, lógico, a técnica da Biblioteconomia e
colocar em prática tudo o que nos foi ensinado durante a formação, porém a
biblioteca, enquanto ferramenta social destinada ao apenado, não tem como
seguir sozinha sem estar respaldada pelo respeito às regras do cárcere e,
principalmente, respeito à cultura do preso, ou seja, Biblioteconomia Social.
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Confira maiores
informações em: <http://www.youtube.com/watch?v=JG4tCPQu0U8&feature=youtu.be>. Acesso em: 21 jul. 2015.
REFERÊNCIAS
MORIGI,
Valdir José. O bibliotecário e suas práticas na construção da cidadania. Revista ACB,
Florianópolis, v. 7, n. 2, p. 135-147, jul. 2002. Semestral. Disponível
em: <http://tinyurl.com/o38cly5>.
Acesso em: 20 jul. 2015.
TRINDADE,
L. L. Biblioterapia e as bibliotecas de estabelecimentos prisionais: conceitos,
objetivos e atribuições. 2009. 118 f. Monografia (Bacharelado
em Biblioteconomia) – Departamento de Ciências da Informação e Documentação,
Universidade de Brasília, Brasília, 2009. Disponível em: <http://tinyurl.com/lznceoq>. Acesso em:
20 jul. 2015.
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