terça-feira, 21 de julho de 2015

LIVROS NO CÁRCERE: ENTRE A TÉCNICA BIBLIOTECÁRIA E A DEMANDA SOCIAL

por Catia Lindemann 

O embate neste assunto centra-se na dúvida: Será que basta levar obras literárias, catalogá-las e classificá-las nas estantes, disponibilizando aos apenados para de fato cumprir a missão da biblioteca/bibliotecário no cárcere? Pois lhes afirmo, por experiência própria, que é preciso readaptar e reinventar as técnicas bibliotecárias, considerando sempre que uma biblioteca deve ser moldada para o seu usuário e não o contrário. A premissa consiste que, no cárcere, lidamos com uma biblioteca destinada para um usuário diferenciado, onde as regras da prisão ultrapassam as regras da Biblioteconomia por uma questão de ordem e segurança.



Uma vez trabalhando com livros dentro da Instituição Penal é que se compreende que a teoria nem sempre consegue ação dentro da prática bibliotecária, manter uma biblioteca no cárcere é encarar a Biblioteconomia Social como uma nova realidade. E de que modo o bibliotecário deve se colocar diante desta realidade? Morigi (2002) cita que:

Não basta apenas realizar procedimentos técnicos (classificar, catalogar e indexar), estes, sem dúvida, são muito importantes para a formação do profissional. Entretanto, os bibliotecários devem ir além destes saberes e atividades técnicas, precisam buscar elementos teóricos ligados às ciências humanas, que fortaleçam a sua condição de cidadãos e profissionais.     

Portanto, é preciso, ainda, muito trabalho reflexivo para compreender que a atuação do profissional bibliotecário vai muito além de somente organizar o acervo desses espaços de leitura. O papel do bibliotecário vai além da técnica.
           
Segundo Trindade (2009), as bibliotecas prisionais desempenham uma função de cunho social de suma importância dentro do processo de ressocialização do apenado. Faz-se necessário que este profissional tenha ciência de que não lida apenas com a classificação de obras, mas, acima de tudo, com a classificação de saberes, fazendo valer o seu papel de agente de educação e de intermediário da informação.




No cárcere temos de reinventar e readaptar a Biblioteconomia. Tudo que aprendemos como teoria é contraposto quando se trata de biblioteca prisional. Olhar aquele espaço e lembrar-se de “Planejamento de Acervo”, mas lembrar de que lá dentro a priori é a segurança, a simples distribuição de estantes não pode ser colocada como de regra na “Biblio”, e sim de modo em que tenhamos a visão do apenado por completo, portanto, nada de estante na horizontal e sim dispostas na vertical. Ângulo que coloca em risco as obras, uma vez que o sol bate diretamente nas mesmas, mas que possibilita visão de tiro em caso de rebelião.

Adotar uma classificação que venha a ser não apenas entendida pelos apenados, mas acima de tudo compreendida, cumprindo também as metas eficazes de tempo e organização. Mesmo não sendo uma biblioteca escolar, se as cores correspondem ao entendimento do usuário apenado, então que assim seja, pois ele é o objeto direto do espaço de leitura. E se, ainda assim, ele sentir dificuldades, que seja então ouvido. Exemplo disso são as cores sugeridas pelos apenados, caso da cor azul clara que, segundo eles, é a cor do céu, que representa quem já morreu e, portanto, classificaria as obras de “Chico Xavier”.

Simplesmente alocar estantes num espaço vazio e nelas concentrar livros não torna o cárcere diferente em nada. Não basta levar as obras, é preciso torná-las familiares aos apenados, promovendo a mediação da leitura, debatendo e trazendo de volta preceitos eruditas de nossa profissão.


O cárcere trata de um público-alvo com suas especificidades. A biblioteca, enquanto espaço destinado às obras e à leitura, deve seguir, lógico, a técnica da Biblioteconomia e colocar em prática tudo o que nos foi ensinado durante a formação, porém a biblioteca, enquanto ferramenta social destinada ao apenado, não tem como seguir sozinha sem estar respaldada pelo respeito às regras do cárcere e, principalmente, respeito à cultura do preso, ou seja, Biblioteconomia Social.

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Confira maiores informações em: <http://www.youtube.com/watch?v=JG4tCPQu0U8&feature=youtu.be>. Acesso em: 21 jul. 2015.


REFERÊNCIAS

MORIGI, Valdir José. O bibliotecário e suas práticas na construção da cidadania. Revista ACB, Florianópolis, v. 7, n. 2, p. 135-147, jul. 2002. Semestral. Disponível em: <http://tinyurl.com/o38cly5>. Acesso em: 20 jul. 2015. 

TRINDADE, L. L. Biblioterapia e as bibliotecas de estabelecimentos prisionaisconceitos, objetivos e atribuições. 2009. 118 f. Monografia (Bacharelado em Biblioteconomia) – Departamento de Ciências da Informação e Documentação,
Universidade de Brasília, Brasília, 2009. Disponível em: <http://tinyurl.com/lznceoq>. Acesso em: 20 jul. 2015.

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