por Juliana Soares Lima
Hoje, falaremos um pouco sobre as histórias em quadrinhos
(HQs) e sobre mangás. Antecipadamente, já aviso que é um tema que eu adoro,
assim sendo, não creio que serei breve, nesse caso peço a você, caro leitor,
que tenha a bondade de acompanhar a leitura até o final. Além disso, para que não
fique tão cansativa, a leitura será dividida em dois textos, sendo este a parte
I.
Inicialmente, esclarecemos que as HQs notadamente não são
apenas um objeto restrito à área da Comunicação e afins, ou para os fãs e aficionados
pelo tema. A Biblioteconomia e a Ciência da Informação também têm dado a sua
contribuição sobre o assunto, apesar de que, num passado recente, tenha sido
dada pouca ênfase às HQs como ricas fontes de informação, contudo isso vem
mudando consideravelmente nos últimos anos. Conforme defende Vergueiro (2007,
p. 1), as histórias em quadrinhos são “um dos mais pujantes produtos culturais
da comunicação de massa”. Portanto, elas precisam estar nas bibliotecas
tradicionais, eletrônicas, gibitecas ou outras do gênero. Esse material
necessita de um tratamento, de uma organização, e a isso deve preceder um estudo
relativo à natureza das HQs, no caso específico, principalmente o mangá.
Entendemos que a Ciência da Informação e a Biblioteconomia, enquanto parte
desta grande área do conhecimento, têm por obrigação estarem atentas ao que
pede a sociedade. Além disso, se uma das funções dos bibliotecários é fazer a
mediação entre a informação e o usuário, é também desafio desse profissional
analisar esse material – HQ – proporcionando o tratamento adequado que outras
publicações tradicionais recebem. O interesse por novas linguagens é positivo
para a área na medida em que ela expande seus horizontes e atrai novos usuários
para as bibliotecas (LIMA, 2009, p. 17).
As histórias em
quadrinhos, também chamadas de HQs, bandas desenhadas, comics, arte sequencial, gibi, dentre outras denominações, surgiram
bem antes do que se imagina. De acordo com McCloud (2005), as pinturas
rupestres nas cavernas da época do período paleolítico, os hieróglifos e
pinturas egípcias, manuscritos em imagens pré-colombianos, tapeçarias, a
pintura grega etc. podem ser consideradas as primeiras formas de HQs. McCloud
(2005) afirma que não tem ideia de quando e onde as histórias em quadrinhos
começaram, mas ressalta que há um evento tão importante para as histórias em
quadrinhos quanto para a palavra escrita: a invenção da imprensa. Sua gênese é
atribuída às técnicas de mecanização, que agilizaram a produção gráfica de
jornais e livros durante a Revolução Industrial do século XIX.
.
Há diversas definições para explicitar o que são HQs, então
escolhemos como a melhor definição para a história em quadrinhos aquela que
explica o que já está em sua própria denominação: é uma história contada em
quadros (vinhetas), ou seja, por meio de imagens, com ou sem texto, embora na
concepção geral o texto seja parte integrante do conjunto. Em outras palavras,
é um sistema narrativo composto de dois meios de expressão distintos: o desenho
e o texto (IANNONE, L.; IANNONE, R., 1994).
Em princípio, as HQs eram publicadas em um formato mais
rudimentar. Contavam apenas com imagens sequenciais com texto no rodapé. Seus
temas variavam do sagrado ao profano. Santos (2002) nos relata que, na França,
os quadrinhos eram publicados em folhas destacadas e com o verso em branco. O
ponto de referência que indica o surgimento do ‘comic’ é a obra “Yellow Kid”,
publicada em 5 de maio de 1895 pelo jornal New York World, sendo esse
personagem o primeiro a ser publicado periodicamente em um meio de grande
alcance, no caso, o referido jornal. Outro marco foi o “Katzerjammer Kids”;
nesse caso, os elementos gráficos representativos do quadrinho moderno já
estavam presentes, como os balões de fala.
Paralelamente, a França publicava “L’Epatant”, na Itália era editado “Corrieri dei Piccoli” e no Brasil era lançada a revista ilustrada “O Tico-Tico”, em 1905. O Japão também desenvolvia seus quadrinhos recebendo influências de várias manifestações culturais, filosóficas e artísticas que convergiram, e que convergem até hoje, para a estruturação da linguagem visual das histórias em quadrinhos japonesas (Mangás).
Paralelamente, a França publicava “L’Epatant”, na Itália era editado “Corrieri dei Piccoli” e no Brasil era lançada a revista ilustrada “O Tico-Tico”, em 1905. O Japão também desenvolvia seus quadrinhos recebendo influências de várias manifestações culturais, filosóficas e artísticas que convergiram, e que convergem até hoje, para a estruturação da linguagem visual das histórias em quadrinhos japonesas (Mangás).
Imagem disponível em:
<http://arquivos.proderj.rj.gov.br/cedca_imagens/Admin/Uploads/quadrinhos.jpg>.
A consolidação em âmbito mundial, de acordo com Mendo (2008),
deu-se no século XX. Além da organização do negócio, da transformação dos
quadrinhos em bem de consumo, houve um fato que foi essencial para o sucesso
dos quadrinhos: a vinculação ideológica. As HQs, assim como qualquer outro
produto cultural, são impregnadas de ideologia; contudo, como muitos não
enxergavam os quadrinhos como coisa séria, a recepção de ideais vinculados
passava despercebida, como o aparentemente inocente Tio Patinhas, que
disseminava os pilares do capitalismo para crianças do mundo todo, que viam na
obsessão do lucro um comportamento natural, quando na realidade é uma
construção social. O quadrinho soube também se adaptar às condições de cada
período histórico, como, por exemplo, durante a quebra da bolsa de Nova York e
toda a crise financeira pela qual passaram os Estados Unidos, os quadrinhos
foram usados como anestésico, sua fantasia servia com uma espécie de fuga da
realidade para seus leitores. Durante as guerras mundiais, os quadrinhos foram
utilizados por governos autoritários como forma de induzir pessoas a
simpatizarem com suas ideias, por outro lado, também podiam ser uma forma de
protesto e crítica social.
Em relação aos eixos temáticos em 1970 ocorreu o “boom” da ficção científica. Já nas décadas de 80 e 90, o eixo se tornava mais complexo. Os quadrinhos foram se tornando mais adultos, com temática filosófico-existencialistas, o que se desdobrou no surgimento de um novo conceito de HQ: a Graphic Novel. Essa publicação apresentava características próprias, como a qualidade superior do papel, num formato mais elegante, e primazia no aspecto gráfico e no acabamento. Nesse contexto, destacam-se os trabalhos de Neil Gaiman e Frank Miller, os dois expoentes mais notáveis desse gênero. Seus enredos fazem uso de mitologias e elementos míticos para explorar temas de forma artística e sensível.
Em relação aos eixos temáticos em 1970 ocorreu o “boom” da ficção científica. Já nas décadas de 80 e 90, o eixo se tornava mais complexo. Os quadrinhos foram se tornando mais adultos, com temática filosófico-existencialistas, o que se desdobrou no surgimento de um novo conceito de HQ: a Graphic Novel. Essa publicação apresentava características próprias, como a qualidade superior do papel, num formato mais elegante, e primazia no aspecto gráfico e no acabamento. Nesse contexto, destacam-se os trabalhos de Neil Gaiman e Frank Miller, os dois expoentes mais notáveis desse gênero. Seus enredos fazem uso de mitologias e elementos míticos para explorar temas de forma artística e sensível.
As histórias em quadrinhos representam uma modalidade de
leitura. Possuem grande receptividade entre as crianças, os jovens, os
adolescentes, e também entre adultos. As HQs afetam diretamente a educação de seus
leitores:
Reproduzindo
contextos e valores culturais, as histórias em quadrinhos oferecem
oportunidades para as crianças ampliarem seus conhecimentos sobre o mundo
social. Porém, seja pelos assuntos veiculados, seja pela forma como os temas
são tratados, as histórias em quadrinhos foram alvo de muitas críticas e,
lê-las dentro das escolas, foi por muito tempo considerada uma atividade
clandestina e sujeita a punições. (ALVES, 2001, p. 6).
A literatura culta é sim bastante importante e necessária,
mas as HQs, sejam elas orientais ou ocidentais, continuam sendo consideradas
subliteraturas, apesar do esforço de alguns profissionais em mostrar que os
quadrinhos também são importantes na formação do leitor. Vergueiro (2003)
afirma que, durante um determinado período, os bibliotecários resistiram às
HQs, assim como a maioria da sociedade. Sabemos também que, em muitas
bibliotecas em que não existem as HQs incorporadas ao acervo, é pelo fato de
não serem consideradas como literatura e/ou como objeto de estudo. Contudo, a
resistência diminuiu à medida que a sociedade passou a enxergá-las como mais um
tipo de publicação, com linguagens e ilustrações diferenciadas. Atualmente, é
possível observar que as HQs têm sido cada vez mais incorporadas aos acervos
das bibliotecas brasileiras.
Ainda que, no passado, as HQs tenham sido rejeitadas por
pais, professores e bibliotecários, seus benefícios são evidentes à medida que,
para Vergueiro (2006, p. 21), "no Brasil [...] o emprego das histórias em
quadrinhos já é reconhecido pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)". Assim, Alves (2001, p. 7)
demonstra a importância da utilização das HQs na infância, tanto para o ensino,
como para o desenvolvimento da prática da leitura:
A leitura de histórias em quadrinhos pode contribuir para a formação do gosto pela leitura. [...] Além disso, pode-se esperar que uma criança para quem a leitura tenha se tornado uma atividade espontânea e divertida, esteja mais motivada a explorar outros tipos de textos (com poucas ilustrações), do que uma criança para quem esta atividade tenha sido imposta e se tornado enfadonha [...]
Imagem disponível em: <http://goo.gl/VqGYf1>.
Para a formação de leitores, é importante que se tenha
contato com diferentes objetos de leitura, e que estes tenham conteúdos de
qualidade, capacitando gradativamente o pequeno leitor para exercer leituras
mais complexas. Diante do exposto, percebemos que ainda há desafios a serem
vencidos com relação a presença das HQs nos acervos das bibliotecas, inclusive
por parte dos bibliotecários que não estão familiarizados com a temática. Não
somente as bibliotecas públicas e gibitecas, mas principalmente as bibliotecas
universitárias podem e devem ter HQs em seus acervos. Ainda há muito a discutir
sobre esse tema, mas façamos isso juntos aqui no Mural Interativo do
Bibliotecário!
REFERÊNCIAS
ALVES, José Moysés. Histórias em
quadrinhos e educação infantil. Psicologia:
Ciência e Profissão, Brasília, v. 21, n. 3, p. 2-9, set. 2001. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932001000300002>.
Acesso em: 28 jun. 2015.
IANNONE, L. R.; IANNONE, R. A. O Mundo das Histórias em Quadrinhos. 2.
ed. São Paulo: Moderna, 1994. (Coleção Desafios).
LIMA, Juliana Soares. A influência das Novas Tecnologias da
Informação e da Comunicação sobre os leitores de Histórias em Quadrinhos
japoneses - Mangá. 2009. 100 f. Monografia (Graduação em Biblioteconomia) -
Universidade Federal do Ceará, Departamento de Ciências da Informação,
Fortaleza, 2009. Disponível em: <http://www.repositoriobib.ufc.br/000016/000016f4.pdf>. Acesso
em: 28 jun. 2015.
McCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo:
M. books, 2005.
MENDO, Anselmo Gimenez. Histórias em quadrinhos: impresso vs.
web. São Paulo: UNESP, 2008. 109 p.
OLIVEIRA, M. J. A. A dinamização de coleções de histórias em quadrinhos
nas bibliotecas populares do Rio de Janeiro. 2005. Trabalho de Conclusão de
Curso (Graduação em Biblioteconomia) - Universidade Federal Fluminense,
Niterói, 2005. Disponível em: <http://rabci.org/rabci/node/52>. Acesso em: 28 jun.
2015.
SANTOS, R. E. Para ler os quadrinhos Disney: linguagem, evolução e análise de HQ.
São Paulo: Edições Paulinas, 2002.
VERGUEIRO, Waldomiro. Histórias em quadrinhos, bibliotecas e bibliotecários:
uma relação de amor e ódio. 2003. Disponível em: <http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=137>.
Acesso em: 28 jun. 2015.
______. Uso das HQs no ensino. In:
RAMA, A. et al. Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 3. ed. São
Paulo: Contexto, 2006. p. 7-29.
______. A atualidade das histórias
em quadrinhos no Brasil: a busca de um novo público. História, imagem e narrativas, ano 3, n. 5, set. 2007.
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