por Adriano Silva
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Por que é que tu conheces e dás-te tão bem com tantas raparigas, se apenas
trabalhas numa Biblioteca? Perguntou-me um amigo, admirado, num autocarro.
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Se for uma aluna do 1º ano que me pede um livro, eu dou-o e não começa aí
relação nenhuma, respondi eu, mas a situação é diferente a partir do 3º ano,
quando elas começam a fazer trabalhos sobre assuntos diferentes… aí a questão
complica-se…
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Como? Perguntou inocentemente o meu colega.
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Para responder a perguntas frequentes faço listagens temáticas, com sumários
feitos por mim, para as ajudar a escolher os artigos a ler; porque ninguém tem
tempo para ler tudo sobre um assunto… Especialmente se tiver vários trabalhos a
fazer…
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Claro, concordou o meu colega.
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No ano de estágio as alunas pedem-me as novidades que todas as semanas chegam à
biblioteca. A listagem não chega. Faço todos os anos uma lista que coloco na
parede de assunto – nome da aluna, para não me esquecer de avisar ninguém (a
Difusão Seletiva de Informação é hoje em dia feita por email, mas funcionava
muito bem por boca-a-boca).
Comecei
a trabalhar aos 18 anos como simples técnico de Biblioteca, e no meu ano de
estágio cataloguei todos os livros do Instituto (de Serviço Social). Depois,
para me entreter, comecei a catalogar todos os artigos de revistas e fiz
assuntos apenas dos artigos mais importantes.
Trabalhei
ali 10 anos, e todos os anos havia professores novos ou disciplinas novas.
Logo, todos os anos há assuntos “novos”. Isto implica ser impossível existir
uma “lista universal de assuntos”. Também implica que, para imprimir uma
listagem de um assunto novo, tinha de ter previamente catalogado e resumido
todos os artigos sobre aquele assunto.
Uma
pequena biblioteca pode ser uma grande biblioteca se tiver um bom catálogo, com
assuntos e sumários. A Excelência torna uma pequena biblioteca uma grande
biblioteca.
Há
16 anos que trabalho na Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP), fundada
em 1833 por D. Pedro, muito amado no Brasil. Porque tem Depósito Legal desde a
sua fundação, temos cerca de 28 km de estantes, sendo talvez a 2ª maior
biblioteca de Portugal.
Uma
mega-biblioteca terá mega-problemas, os quais podem ser aumentados ou reduzidos
pelo uso das novas tecnologias.
Antigamente,
os bibliotecários respondiam aos leitores usando um catálogo manual por
assuntos, ou melhor, por CDU (uma versão da CDD usada no Brasil) e elaborando
catálogos temáticos (um grande bibliotecário era aquele que editava um catálogo
sobre um assunto). Sobre periódicos (jornais e revistas), existiam catálogos
manuais pelo local de edição (a pergunta mais frequente dos leitores é: - Quais
são os jornais da minha terra?) e por CDU/assuntos.
Atualmente,
o catálogo está disponível online. Os registros bibliográficos são importados
da Biblioteca Nacional. Graças a isso, poupam-se recursos, mas… e os assuntos?
Imagem extraída
da galeria de fotos disponível no site da Biblioteca Pública Municipal do
Porto: <http://bmp.cm-porto.pt/bpmp>. Acesso
em: 25 jun. 2015.
No
Serviço de Periódicos sempre se corrigiu a catalogação e a CDU, tendo-se
adicionado o assunto a partir do momento em que o catálogo está online.
Hoje
temos mais de 30 mil títulos de periódicos divididos por distritos e antigas
colónias. Do Porto (é uma biblioteca municipal) temos mais de 1000 jornais já
indexados (e muitos mais há para catalogar no futuro…).
O
que é um bibliotecário? Um produtor de catálogos. Mas já não estamos no tempo
dos catálogos em papel. O leitor, se o quiser, que o imprima. Trabalho, ao
mesmo tempo, todos os dias, em mais de 130 catálogos ou assuntos diferentes. Resultados?
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“Descoberta” de textos de Camilo Castelo Branco, Raúl Brandão e outros
escritores, em jornais não referidos pelos especialistas;
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“descoberta” de várias revistas literárias não mencionadas pela obra de
referência e publicação de artigo em revista literária;
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convite para falar em Universidade sobre periódicos do 25 de Abril;
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agradecimentos de um especialista em banda desenhada, por ter “descoberto” uma
BD;
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agradecimentos de genealogistas, por ter “descoberto” colaborações de
familiares deles em jornais;
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agradecimentos de autores, os quais detestam ver a confusão entre as suas obras
e a de outros autores com o mesmo nome, sejam eles pais, avós, tios ou
desconhecidos.
Sem
uma catalogação cuidada, com atenção aos assuntos, nada disto seria possível!
O mega-problema das mega-bibliotecas é
o tamanho: a multiplicação das “equipas” e dos feudos pessoais. A divisão entre
“front office”, que atende o público e sabe dos problemas, e o “back office”,
que não quer saber dos problemas dos “outros” e muito menos resolvê-los.
Como
é possível ter assuntos em condições se só contacto com os leitores uma vez por
mês? Como ser excelente se não há reclamações ou sugestões dos leitores?
Como
ter Qualidade se superiormente os objetivos são apenas de Quantidade? Como ser
Excelente se o objetivo é um ficheiro a que os leitores não têm acesso, ou
seja, se o objetivo é trabalhar para o boneco?
A
Qualidade é o maior desafio das mega-bibliotecas! Por incrível que pareça, é
mais fácil uma pequena biblioteca ser excelente do que uma mega-biblioteca.